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SUSTENTO

Conheça o dia a dia dos trabalhadores da reciclagem na Associação de Catadores do Jangurussu

Alice Guilherme, Ismia Kariny, Roberta Linhares

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Localizada no bairro Jangurussu, na Rua Estrada do Itaperi, 1665, associação de Catadores do Jangurussu (Ascajan) possui 20 trabalhadores. De segunda a sexta, homens e mulheres se dedicam a separar plástico, vidro, papel e metais. Eles também são responsáveis pela manutenção do lugar, lavando-o periodicamente. Possuem uma jornada de oito horas diárias. De manhã, a primeira atividade do dia é a triagem do despejo que os caminhões trazem para o início do galpão. Depois, cada um vai para a sua respectiva estação separar o que deve ser vendido. A esteira ajuda na triagem e as balanças e prensas na finalização do trabalho, que, apesar do auxílio das máquinas, é majoritariamente manual.

 

Sentados em bancos, em posição curvada para o chão, os trabalhadores separam o “lixo” até o fim da tarde, de 8h às 16:30. Metal e papel valem mais no preço de mercado, mas o arrecadado é dividido igualmente entre os membros, geralmente, menos de um salário mínimo, exceto em “bons meses” como eles descrevem. A função é a mesma, mas as impressões sobre o próprio trabalho variam muito.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Francisca Aline Alves, filha de Sebastiana Alves, líder da associação, tem 23 anos, dois filhos e trabalha como catadora há 4 anos - seguindo os passos da família. Ela mora nas proximidades do Jangurussu, por isso vai a pé para a associação. O marido, Daniel Alves, também trabalha com reciclagem, mas recolhendo de um shopping, no bairro Edson Queiroz. “Eu não me vejo fazendo outra coisa”, ela diz, ao ser questionada sobre as perspectivas de futuro.

Como muitas mulheres, Aline tem uma dupla jornada. De manhã, é ela quem acorda e leva os filhos para a escola, por volta das 6h; e a tarde, depois do trabalho, ela cuida dos afazeres domésticos. "Eu e meu marido não costumamos dividir as tarefas”, diz, apesar de ele executar as mesmas funções que ela, com a mesma carga horária. Indagada sobre sua saúde e as condições de trabalho, Aline diz nunca ter contraído doenças, apesar do cheiro forte, poeira e barulhos presentes no local. Ela faz a seleção do vidro sem luvas, “porque atrapalha muito”, em suas palavras.

 

Diferentemente dela, Sebastiana e seu pai trabalhavam onde o lixo “puro” era despejado, a sessão de rejeitos, nos fundos do galpão. Lá, os materiais não recicláveis seguem para o aterro sanitário, para a estabilização do chorume e armazenamento dos detritos, já que esta é a única saída para o lixo não reciclável. A associação não reaproveita lixo orgânico, madeira, tecido e outros materiais que são nocivos à saúde, se ficarem a céu aberto.

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Foto: Roberta Linhares

Foto: Roberta Linhares

Segundo Sebastiana, na Ascajan trabalham 60 associados, que ela considera uma grande família; todos dependendo da reciclagem para viver. Cerca de 50 toneladas de lixo são recicladas mensalmente graças ao trabalho dos funcionários da associação. Ela enfatiza que nunca teve problema de saúde relacionado ao trabalho, embora relate que é comum os trabalhadores da associação sofrerem “pequenos cortes”. Segundo ela, nada que os afastasse por muito tempo do trabalho.

 

Foi aos 16 anos que saiu do interior e começou a trabalhar com material reciclável, por isso ela se sente uma guerreira. Já trabalhou nas ruas durante muito tempo, em uma carrocinha; também no lixão de Pacajus e no lixão do Jangurussu. “Para mim é um orgulho trabalhar com material reciclável, principalmente porque a gente está limpando o meio ambiente", declara ela.

 

A renda que os trabalhadores conseguem com a reciclagem está na média de R$ 600 por mês. Com esse salário, Sebastiana precisa, ainda, do Bolsa Família e do lucro da venda de sorvetes e outros produtos para se sustentar. “Meu sonho é montar uma cantina ou um refeitório para que eu possa vender comida”, relata.

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Foto: Roberta Linhares

Alaíde Firmino, de 39 anos, trabalha na estação vizinha. Ela tem um companheiro, que trabalha como técnico em eletrônica, e três filhos; uma garota de 7 anos e dois meninos, de 4 e 10 anos. Alaíde mora no bairro José Walter e vai de bicicleta para a associação, tendo mais ou menos meia hora de pedalada todos os dias. “É um pouco longe, mas eu venho todo dia”, diz. Ela começou a trabalhar com reciclagem há três anos, quando desempregou-se, em 2015, e uma amiga arranjou-lhe uma vaga na Ascajan. Ela já passou por dois espaços na associação: a parte dos rejeitos e, atualmente, está na reciclagem de plástico.

"[As tampas dos plásticos] por serem duras, às vezes, ferem minhas mãos; e o cheiro dos restos de alguns produtos químicos das garrafas me faz mal” — Alaíde Firmino

Sobre o futuro, Alaíde diz que planeja voltar para o mercado de trabalho formal, com carteira assinada, previdência e os direitos trabalhistas garantidos. Ela sonha que seus filhos tenham uma vida melhor, longe da reciclagem. Ela prefere citar o que eles mesmos dizem em casa “Minha menina, de 7 anos, quer ser veterinária e o meu mais velho, de 10 anos, quer ser motorista”, revela. Questionada sobre sua saúde, Alaíde disse que adquiriu uma tosse alérgica devido à poeira. Ela também se incomoda com as tampas dos plásticos. “Por serem duras, às vezes, ferem minhas mãos; e o cheiro dos restos de alguns produtos químicos das garrafas me faz mal”, diz ela.

Para Antônio Reginaldo da Silva de Sousa, 21, o dia a dia na Ascajan é difícil. O jovem, que trabalha na associação há dois anos, é um dos responsáveis por carregar e separar os materiais recicláveis. Além de auxiliar, quando necessário, na coleta do lixo. Segundo ele, mesmo tendo trabalhado em mercados, com serviços de entrega, foi na Ascajan que se sentiu (em suas palavras) realizado. “É o melhor trabalho que já tive, os outros não pagavam bem”, confessa.

 

Assim como alguns de seus colegas, o rapaz manuseava os materiais com as mãos descobertas, separando garrafa por garrafa. E quando questionado sobre as condições de saúde e os riscos aos quais estão expostos, Antônio relata ter sentido fraqueza e visão escurecida. E apesar do ambiente insalubre do Jangurussu atrair animais peçonhentos, como cobras e ratos, que podem causar doenças como leptospirose, dermatites de contato, infecções gástricas e verminoses; para ele, esses sintomas ocorreram devido ao esforço e a má alimentação.

“O importante é a nossa vida,

a nossa saúde,

e o trabalho que a gente faz”

~ Antônio Reginaldo da Silva

Na família ele não é o único a trabalhar na Ascajan. Entre seus colegas de serviço está o seu irmão Geraldo, 23. Os dois moram juntos em uma casa alugada, e também compartilham a renda que, apesar de pouca, o rapaz considera o suficiente. “O importante é a nossa vida, a nossa saúde, e o trabalho que a gente faz”, explica.

Foto: Roberta Linhares

Da administração até o mais jovem dos trabalhadores, o que se observa na Ascajan é o sentimento de dever social e contribuição para o bem maior - a possibilidade de qualidade de vida que o cuidado com o meio ambiente pode proporcionar. É com esse espírito, também, que Glaucimar da Silva, 50, catadora há vinte anos, realiza seu trabalho na associação.

 

Assim como Antônio, ela é responsável por separar os materiais que serão encaminhados para a reciclagem. Não teve oportunidade de trabalhar de carteira assinada, e não possui experiência em outros serviços. Ainda criança teve contato com o lixo, e desde então esse é o trabalho que Glaucimar está mais habituada a fazer, e por isso está satisfeita. “O salário é pouco, mas ajuda. É melhor do que estar em casa”, afirma.

 

Mesmo com o cansaço e as dores causadas por uma deficiência na perna, Glaucimar não falta um dia de trabalho sequer. Ela nega ter ficado doente por causa do ambiente do trabalho ou o esforço físico. Segundo ela, o único problema são os cortes nas mãos causados pelo contato com o vidro.

“Antigamente a gente levava nome de rampeiro, lixeiro, e agora somos

catadores do meio ambiente”

Quanto aos tempos passados, Glaucimar reflete sobre o que mudou. “Hoje o trabalho do catador é reconhecido. Não por todas as pessoas, mas antigamente a gente levava nome de rampeiro, lixeiro, e agora somos catadores do meio ambiente”, se orgulha. Para ela, o trabalho de catador tem um propósito maior: “Além de tirar nosso sustento daqui, a gente limpa Fortaleza”, acrescenta.

Regulamentação da profissão e riscos para a saúde

 

Segundo o projeto de lei 6822/10 do Senado, é denominado catador o profissional autônomo ou associado de cooperativa, que cata, seleciona e transporta material para venda ou uso próprio. Segundo o professor e especialista em engenharia ambiental pela UFC, Gemmelle Oliveira Santos, estima-se que no Brasil existam cerca de 1 milhão de catadores, e 6 mil em Fortaleza. Contudo, Censo Demográfico divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em 2013, revela que cerca de 387.910 pessoas em todo país se declararam catadoras. Dados da mesma pesquisa indicam que o Nordeste é também a região que apresenta os rendimentos mais baixos do Brasil, com R$ 459,34.

 

Diferentemente dos garis da limpeza urbana, que trabalham de carteira assinada, com seus direitos trabalhistas garantidos, e ainda o adicional de insalubridade (Lei 6514/77 e Portaria n. 3214/78 do MTE), os catadores ainda vivem às suas próprias custas, de maneira independente. Em contato direto com o lixo, eles estão expostos a doenças como verminoses, leptospirose, infecções gástricas e meningite, como aponta o professor Gemmelle.

 

“Dentro do nosso lixo tem papel higiênico, absorventes usados, fezes de cachorro, lâmina de barbear; e o catador está diretamente exposto [aos riscos]. Ele se corta, se fere, levanta peso e pega em material contaminado”, diz o professor. Gemmelle alerta também para a necessidade de encerrar os 310 lixões que existem no Estado, para construir mais aterros sanitários e, em suas palavras, “dar empregos aos catadores que sequer conhecemos, que não sabemos quantos são, como vivem, onde moram”, como uma forma de garantir um sistema de coleta e tratamento do lixo mais amigável ao meio ambiente e à dignidade dessas pessoas.

 

Mercado

 

O que sustenta o trabalho de reciclagem são os hábitos de consumo da população. As melhores épocas do ano para a geração de resíduo são as festas de natal e ano novo; e, em menor quantidade, as datas comemorativos ao longo do ano, como carnaval e páscoa, por exemplo. Algumas empresas de bebida como a Heineken e a Coca-cola parecem estar particularmente interessadas no mercado de reciclagem com as embalagens retornáveis. Em 2015, a Associação de Catadores do Jangurussu recebeu o apoio da empresa Coca-cola, por meio de palestras, consultoria, cursos e materiais de trabalho. A iniciativa faz parte do projeto “coletivo reciclagem”, e busca incentivar catadores para facilitar a reciclagem das próprias embalagens. Cada embalagem pode ser reutilizada cerca de 25 vezes e é capaz reduzir em até 65% a emissão de gás carbônico para o planeta.

 

Confira o link do projeto aqui: https://www.cocacolabrasil.com.br/historias/vidas-recicladas-do-lixao-para-a-cooperativa

“Pra gente, aqui não é lixo, e sim material reciclável”

 

~ Sebastiana Alves 

 

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