destinos e riscos: o que fazer com o lixo que produzimos?
Ana Luiza Braga, Arthur Calado
Dar destino correto ao lixo ainda é um desafio para os municípios do Brasil. Aproximadamente 41% dos resíduos sólidos produzidos no país acabam em destinos ambientalmente inadequados, como lixões e aterros sanitários controlados, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). Estas formas de disposição do lixo no solo apresentam riscos à saúde da população e dos trabalhadores que lidam diretamente com o material descartado. No Ceará, na década de 90, ocorreu a desativação do lixão do Jangurussu e, desde 1998, o Aterro Sanitário do Oeste da Caucaia (ASMOC) recebe o lixo de Fortaleza e Caucaia.
Na sede da Ecofor Ambiental de Fortaleza, gerida pelo Grupo Marquise, empresa responsável pela coleta e transporte do lixo na capital cearense, no dia 30 de abril de 2019, exposta, estava uma placa comunicando: "Estamos há 12 dias sem acidentes que causam afastamento. Nosso recorde é de 28 dias". As autoridades do local, porém, não autorizaram o registro fotográfico da placa.
A instalação é a principal responsável pelo transporte dos resíduos sólidos de Fortaleza. É lá o ponto de partida dos garis, em caminhões de coleta, rumo aos bairros da capital para o recolhimento do lixo urbano. Rota esta que termina com os caminhões indo ao destino final: o ASMOC, em Caucaia. O questionamento de como funciona essa dinâmica de recolhimento foi levantado pela reportagem, que não obteve resposta até o fechamento deste material.
No Brasil, há mais de 60 anos, desde 1964, leis e portarias são criadas para regulamentar a produção e destinação final dos resíduos sólidos. Em 2010, a Lei nº 12.305 definiu a data limite para o fim dos lixões: agosto de 2014. Após quase cinco anos de esgotamento do prazo, em 2019, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) pediu a prorrogação da data, ao alegar que o problema também exige esforços da União e dos Estados. Ainda em maio de 2019, o Ministério do Meio Ambiente aprova o Programa Nacional Lixão Zero e propõe melhorar a coleta seletiva, reciclagem, recuperação energética e disposição ambientalmente adequada dos rejeitos em todo país.
Apesar dos esforços, ainda existem aproximadamente 3.000 lixões no país. No Ceará, estima-se que existam cerca de 310 áreas de despejo de lixo inadequadas, segundo pesquisadores do Instituto Federal do Ceará (IFCE). Estes locais são prejudiciais ao meio ambiente, porque o lixo acumulado produz gases e chorume, poluentes que contaminam o solo, recursos hídricos e podem afetar pessoas que moram nos arredores, como afirma Gemmelle do Santos, doutor em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal do Ceará e especialista em educação ambiental pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).
“O lixão é uma área sem nenhuma preparação, onde o resíduo é simplesmente espalhado, muitas vezes não há nem compactação ou cobertura desse resíduo com uma camada de solo. Um pouco melhor que os lixões são os aterros controlados, onde há máquinas espalhando e compactando o lixo, pode haver um trabalho paralelo com catadores tentando retirar esses catadores do contato direto com o lixo”, esclarece.
Ainda segundo o professor, “em nada um aterro controlado se compara com aterro sanitário”. Entenda a diferença entre os lixões e os aterros no infográfico sobre os tipos de disposição final do lixo:
O aterro sanitário é uma obra de engenharia ambiental, realizada após licenciamento, projeto básico, orçamento inicial e cronograma definido. Gemmelle explica que dentre as alternativas de disposição no solo, esta é a melhor opção, mas alerta: a solução para o problema do lixo no Brasil está na produção.
“Aterro sanitário não é a melhor saída para o lixo. Não é duplicando o número de aterros, não é duplicando o número de catadores nas ruas, nem de garis e caminhões, que a gente vai resolver o problema do lixo. Na verdade a gente precisa pensar em cumprir a lei, que diz eu precisamos primeiro pensar na não geração de resíduos sólidos” alerta o pesquisador.
Assista o vídeo do especialista em Educação Ambiental explicando o funcionamento de um aterro sanitário.
Contato diário
Esses riscos podem parecer ínfimos para a população, ao mínimo contato com o lixo. Para quem está no dia-a-dia, porém, trabalhando com resíduos, o risco à saúde só aumenta. Além das formas de contaminação por contato, estes profissionais põem em risco a própria integridade física.
Seja em lixões ou aterros, catadores, transportadores e garis estão em situações mais propícias à contaminação justamente pela maior exposição a resíduos enquanto trabalham. “Os catadores são diretamente expostos, eles se cortam, se ferem, inalam. Os garis não têm contato físico com o lixo, porque eles não andam rasgando sacos. Eles estão expostos a dois riscos que os catadores não estão: de o material bater no profissional, ter prensagem de membro, que é algo mais físico, mais grosseiro; e o de terem a audição comprometida por ruídos”, explica Gemmelle, especialista em Engenharia Ambiental pela UFC.
O ruído considerado engloba os caminhões transportadores e os materiais de depósito e compressão de lixo. Vale ressaltar que a Norma Reguladora de número 15 da Regulamentação Trabalhista, que aplica limites para condições insalubres de trabalho, afirma que o máximo de poluição sonora a qual um profissional deve ser submetido é de 85 decibéis. Um gari, porém, exerce sua função exposto a um barulho que chega a 131 decibéis, de acordo com medição feita pelo Instituto Federal do Ceará (IFCE), equivalente a um tiro de arma de fogo.
PARA ONDE VAI?
Saúde em risco
O câncer é a principal causa de morte em 10% dos municípios brasileiros. De acordo com o Observatório de Oncologia, ferramenta do movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), a doença será a maior causadora de óbitos no Brasil até o ano de 2030. E ela pode ser causada pelo descarte irregular do lixo. A Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (AIPC) afirma que a exposição diária ao Cádmio e ao Benzeno, gases liberados com frequência em ambientes contaminados por resíduos sólidos, é uma das maiores colaboradoras de incidência da doença no Brasil.
Mais graves, como o câncer, ou mais leves, como diarreia ou virose, o certo é que as doenças estão associadas aos resíduos sólidos descartados. O lixo doméstico, produzido diariamente, “possui materiais orgânicos, como restos de comida, o que pode gerar bactérias”, explica o professor na área de infectologia da Universidade Federal do Ceará (UFC), Roberto da Justa.
É das bactérias que vêm doenças estomacais, como diarreia, e outras infecções, como a celulite infecciosa, vinda de cortes com materiais perfurocortantes, que são responsáveis, também, pelo tétano, mazela de origem bacteriana que não tem cura.
“A contaminação é geralmente feita por manuseio equivocado dos resíduos. Se for hospitalar, é ainda mais grave. Uma pessoa que se fere com agulhas, por exemplo, pode pegar doenças como HIV e Hepatite B”, completa o professor, ao explicar que a prevenção deve ser feita por meio de vacinas e técnicas de proteção no manuseio de resíduos, como objetos firmes que não permitam o furo de objetos pontiagudos.
O alerta contra as doenças torna-se mais necessário ao saber que, no Ceará, ainda existem 310 lixões funcionando de forma irregular, ou seja, espaços de depósito de lixo que não evitam o contato do resíduo com a população. Olhando para o Brasil, o número destes espaços sobe para mais de 3 mil.
A Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em relatório divulgado no ano de 2017, mostra que o descarte irregular em lixões a céu aberto pode afetar animais, vegetais, solos e águas, que servem como pontes de contaminação ao ser humano, como mostra o infográfico a seguir.